Brasileiro profundo - 2022
“Minha pátria está morta
eles a enterraram
no fogo
Eu vivo
na palavra
minha terra mátria”
Estes versos foram escritos por Rose Ausländer (1901-1988). A poeta judia de língua alemã, que morreu no ano em que eu nasci, é também a autora de “Ninguém”, o poema que musiquei e acabou por batizar meu álbum anterior: “Rei Ninguém” (2017).
Ausländer teve a vida marcada por um período de perseguições a partir de 1941, quando os nazistas invadiram Czernowitz, na Bukowina, sua cidade natal. Ela felizmente sobreviveu à Shoá e viajou para New York, em 1946. O trauma a fez buscar o exílio não só da terra, mas também da língua materna, levando-a a escrever somente em inglês durante dez anos.
Entrei em contato mais profundo com a obra de Rose Ausländer por causa do meu amigo, o poeta Erick Monteiro Moraes, que se dedicou a traduzi-la. Aliás, as versões em português dos versos com que abri este texto, bem como a letra da canção “Ninguém”, são fruto do trabalho dele. Em seus estudos, Erick explica que o elemento judeu na obra de Ausländer, além de uma identidade herdada, é também uma “construção permanente, a recusa de toda identidade fixa, a eterna busca do não idêntico”. Tal como a história cultural do povo judeu é marcada, desde o exílio babilônico, pela sobrevivência apesar da dispersão, a obra de Ausländer se caracteriza por um perpétuo “Unterwegssein” (estar-a-caminho).
Assim como Paul Celan, poeta judeu e seu contemporâneo, Rose Ausländer atravessou os desertos tendo a poesia como norte. Mais do que seu retorno à terra devastada, foi o retorno à língua alemã, preservada apesar da barbárie, o aspecto mais importante de sua obra. “Eu sou o Rei Ninguém / trago minha terra de ninguém / no bolso”, diz o poema que musiquei. Ausländer, com este sobrenome que significa “estrangeiro”, encontrou na poesia escrita em alemão a sua terra de ninguém.
No Brasil de 2020, não bastasse um governo ignóbil e seu elogio à violência, ficamos trancados em casa, às voltas com um vírus mortal. O exílio domiciliar, digamos assim, iluminado pela experiência dos poetas, me impulsionou a compor. Com a pátria em ruínas, fui levado a escrever, a encarar a página em branco, misturando-me a ela e libertando-me por ela.
Como diz Antonio Cicero, meu parceiro na canção-título “Brasileiro profundo”, um país é tanto maior “quanto mais for capaz de garantir a convivência do maior número possível de diferenças”. Não é concebível, sobretudo no Brasil, um projeto político que não afirme as diferenças como riquezas. Nesse sentido, nós apoiamos as ações afirmativas do Estado, que, opondo-se a preconceitos de diversas naturezas, lutam a favor da pluralidade do povo brasileiro, resguardando o direito de cada indivíduo à diversidade.
Não sou eu o brasileiro profundo, mas todas, todos e todes os que valorizamos: a complexidade das nossas individualidades; a exuberância das nossas diferenças; a comunhão das nossas liberdades; o mundo aberto, como o sem-fundo de uma página em branco.
Arthur Nogueira
2022
Assista ao clipe de "Valente":
Pela primeira vez em 15 anos de carreira, Arthur Nogueira se assume um poeta da canção, ao lançar um álbum cujas letras foram escritas principalmente por ele. Prosseguindo seu trabalho musical focado nos cruzamentos entre a poesia e a canção popular, o cantor e compositor abre exceção no disco apenas para duas parcerias inéditas com importantes poetas-letristas da música pop brasileira: Antonio Cicero e Jorge Salomão.
Cinco anos depois do elogiado "Rei Ninguém" (2017), o álbum "Brasileiro profundo" prossegue a obra autoral de Arthur Nogueira com 12 composições novas. As faixas foram gravadas entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, sob a produção musical de Leonardo Chaves e com a participação especial de instrumentistas de diferentes lugares do Brasil.
Os arranjos partiram do violão, a fim de preservar o modo como as canções foram compostas por Arthur Nogueira, tendo a percussão de Thomas Harres e o contrabaixo de Chaves como suas bases de apoio. Conforme o trabalho avançou, foram adicionados diversos elementos, como guitarras, pianos, cordas e sopros.
Coprodutor musical, ao lado de Arthur Nogueira, do álbum "Só", de Adriana Calcanhotto, Leonardo Chaves toca diversos instrumentos em "Brasileiro profundo", tais como baixo elétrico, baixo fretless, guitarra, piano elétrico, sintetizadores e programações.
O time de músicos convidados, que Nogueira considera "diverso como o Brasil", reúne, por exemplo: Renato Torres (violão), Luiz Pardal (violino e viola) e Leonardo Venturieri (viola), no Pará; Diogo Gomes (sopros) e Thomas Harres (percussão), no Rio de Janeiro; Richard Ribeiro (bateria), em São Paulo; Allen Alencar (guitarra), em Aracaju; e Zé Manoel (piano acústico), em Recife. A maioria dos músicos trabalhou em suas respectivas casas, durante o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19.
Diferentemente dos outros trabalhos de Arthur Nogueira, a sonoridade de "Brasileiro profundo" tem como fundamento a percussão, em vez da bateria ou programações eletrônicas. São baladas que se apoiam nos tambores, de modo a celebrar, segundo o artista, não só a música do Pará que o acompanha desde a infância, mas principalmente o concubinato de ritmos, instrumentos e paradigmas musicais herdado dos povos africanos e indígenas.
Assista ao clipe de "Voo e mansidão":
O álbum "Brasileiro profundo" se desdobra em um videoalbum, incluindo um clipe para cada faixa sob a direção de Vitor Souza Lima, e um livro homônimo, que reúne as letras escritas por Arthur Nogueira em 15 anos de carreira.
O videoalbum "Brasileiro profundo" foi viabilizado pelo projeto Guarda-chuva cultural, que tem o apoio da ONG Namazônia, Dep. Estadual Marinor Brito, Fundação Cultural do Pará (FCP) e Governo do Pará.
Ouça o álbum "Brasileiro profundo" nas plataformas digitais:
Produzido por Leonardo Chaves.
Mixado e masterizado por Rodrigo Sanches no Rootsans Studios (São Paulo).
O tema instrumental "Pássaro" foi mixado e masterizado por Mateus Estrela (Belém).
A participação dos músicos convidados ocorreu durante a pandemia da Covid-19, entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021. Todos trabalharam em suas respectivas casas, exceto pelas gravações de vozes, piano acústico e baterias, realizadas nos estúdios Midas (Belém), Carranca (Recife) e 12 Dólares (São Paulo).
Direção de arte e projeto gráfico: Elisa Arruda
Fotografia: Ana Alexandrino
Direção de vídeo: Vitor Souza Lima
Comunicação: Dobra Comunica - Julianna Sá e Wagner Rodolfo
Design de produto e press kit: Daniele Pascoaleto
arthurnogueira.com